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terça-feira, 25 de agosto de 2015

                        A bela e a fera( Laura ochoa)

Sinopse:
Ela se apaixonou por um homem cujo rosto não podia ver…
Convocada como aia para servir ao rei, luna puente foi contratada para trabalhar como babá da filha de Michael Jackson. Os rumores sobre aquele homem que vivia em reclusão não assustavam luna… Sua experiência como vencedora de concursos de beleza ensinou-lhe que o verdadeiro valor de uma pessoa não estava na aparência exterior. Mas o coração de Michael estava tão despedaçado quanto seu rosto… Para Michael, a linda e doce luna era uma tentação e uma tortura, e ela não tinha medo dele… Ao contrário, insistia para que ele saísse de seu esconderijo e vivesse uma vida normal. E michael sabia que estava apaixonado… tanto quanto luna acreditava estar.
Mas o que aconteceria… quando ela visse seu rosto? 
                                    


                                  Capítulo 1

Luna Puente ergueu o olhar para o castelo de pedras cinzentas e imaginou o que encontraria lá dentro. O príncipe encantado ou o dragão?


O dragão provavelmente imaginou se fossem verdadeiros os boatos que ouvirá do pessoal da cidade, na viagem de balsa até a linda ilha. Será que Michael Jackson sabia como era temido? Pensou, observando as pedras enormes e as janelas em arco, enquanto o táxi entrava no caminho que conduzia à entrada. A enorme estrutura tinha até ameias, além da torre principal. Luna via apenas solidão por toda parte.


- Senhora... - disse o motorista, ao parar em frente da casa enorme. - Tem certeza de que é este o lugar aonde quer ir?


Por que todos na ilha perguntavam a mesma coisa, como se estivesse indo para a forca? Michael era apenas um homem, nada mais.


- Sim, tenho certeza, Sr. Pinkney - respondeu, sem olhar para o motorista de meia-idade.


- O Sr. Jackson não é um tipo simpático, como deve saber.


- Não é de admirar, já que todos agem como se ele fosse capaz de morder, não acha? - Dessa vez ela fitou-o diretamente, erguendo uma sobrancelha.


O homem corou e então olhou novamente para a casa.


- Os boatos devem ter algum fundamento - resmungou, saindo do carro para pegar a bagagem de luna.


Ela também saiu do carro e acompanhou-o, subindo os degraus da entrada.


Como uma serva do rei, havia sido contratada para ajudar a filha de quatro anos de Michael Jackson a se acostumar a viver ali. A morar com um homem recluso, que vivia trancado num castelo, longe de qualquer contato humano. Pelo jeito, teria um bocado de trabalho, já que, de acordo com o boato ninguém pusera os pés na casa, além dos entregadores, nos últimos quatro anos.luna sentiu pena da garotinha, que acabara de perder a mãe e tinha sido afastada do pai. Luna estava ali para conhecer o local, antes da menina chegar.


O Sr. Pinkney colocou as malas no chão. Ao virar-se para pagá-lo, luna percebeu que escrevia algo num pedaço de papel. Assim que lhe entregou o dinheiro, o homem estendeu-lhe o papel.


- Aqui está meu telefone. Se precisar de alguma coisa é só chamar.


O gesto deixou-a comovida, mas não era necessário.


- Ele não é um monstro, Sr. Pinkney.


- É sim. Grita com qualquer um que pisar nas terras dele, e quase fez picadinho do pobre garoto que entrega as compras da mercearia. Detesto pensar no que pode fazer com a senhora. - E quando luna olhou-o com firmeza, o motorista olhou novamente para o castelo e suspirou. - Esta casa foi construída muitos anos atrás, por um homem que a ergueu para a noiva. Ela queria viver como uma princesa, e ele procurou atender esse desejo. Trouxe cada pedra do continente, e muitas coisas vieram da Inglaterra ou da Irlanda, pelo que ouvi dizer. Ela morreu antes que a casa estivesse terminada, ou antes, que o rapaz tivesse chance de casar-se com ela.


Que história triste, ela pensou, mas logo ergueu o queixo.


- Está agindo como se a casa fosse assombrada, ou amaldiçoada.


O Sr. Pinkney não disse nada, olhando as pesadas portas duplas de madeira, como se fossem a entrada de uma caverna. Que bobagem, pensou luna, erguendo a aldrava de bronze para bater na porta. Era a cabeça de um dragão. Bem, Sr. Jackson, se queria manter as pessoas longe daqui, tem feito um bom trabalho. Ela bateu e esperou.


Imediatamente ouviu-se uma voz, soando no interfone à direita da porta.


- Entre.


A voz era profunda, um tanto rouca, e sem querer, luna estremeceu invadida por um sentimento de apreensão.


- Entende o que eu disse? - perguntou Pinkney.


- Bobagem - ela retrucou com firmeza, abriu a porta e entrando. Um pequeno abajur, colocado sobre uma linda mesa de madeira entalhada, iluminava parcialmente o saguão. Ela colocou a bolsa e a valise de mão no chão e virou-se, vendo que o Sr. Pinkney empurrava apressadamente as malas para dentro e se afastava para os degraus. Mas o gesto não o impediu de dar uma boa olhada na casa, pensou luna. Ela procurou o interruptor e logo o local ficou completamente iluminado. O homem encolheu-se e recuou ainda mais.


- Me ligue, se precisar - repetiu, com o sotaque ainda mais acentuado.


A atitude dele, assim como a das pessoas que encontrara na cidade, mostrando-se chocadas ao vê-la chegar, e fazendo advertências, era terrivelmente injusta e infundada, já que falavam de um homem que nem conheciam. De repente, luna sentiu-se fortemente motivada a proteger o Sr. Jackson.


- Não será preciso, obrigada - agradeceu, fechando a porta. Suspirando, luna virou-se, e o coração dela deu um salto, ao perceber que as luzes se apagaram e uma sombra aparecia no topo da escada de madeira entalhada.


- Sr. Jackson ?


- Sim - a voz grave ressoou, chegando até ela.


- Olá. Sou...


- luna Puente, eu sei - ele interrompeu. - Quase trinta anos, solteira, cursou a universidade, criada em Charleston, ex-miss Carolina do Sul, miss condado de Jasper, miss Festival do Camarão.


Ela podia jurar que havia um tom de zombaria na voz dele.


- Será que esqueci alguma coisa?


Bem, então era ele o misterioso recluso, pensou, olhando para a sombra na escada.


- Esqueceu-se de dizer: ex-funcionária do Departamento do estado, professora da escola da embaixada, e linguísta, fluente em italiano, farsi e galês.


- Mas sabe cozinhar? - perguntou ele, num galés impecável.


- Não estaria aqui, se não soubesse. - Ela cruzou os braços e observou a figura masculina, alta e forte, delineada pela luz que vinha do abajur, e que permitia ver apenas a calça preta e os sapatos. A mão dele apoiava-se no corrimão, e um anel com sinete, de ouro, brilhava refletindo a luz. Que mãos grandes pensou luna , mas logo falou: - Será que tenho um site com todas as minhas informações e não estou sabendo? - O que mais saberia sobre ela?


- As telecomunicações são um recurso fascinante.


- É verdade. Mas não precisa dizer o número do meu sutiã, nem quando perdi os pompons de chefe da torcida quando estava com Grady Benson.


- Foi só isso que perdeu? - O tom grave pareceu percorrer cada centímetro da espinha de luna , e isso a irritou profundamente.


- Procure na Internet - disparou, não gostando nem um pouco de saber como ele estava informado a seu respeito. E como sabia pouco sobre ele. Não tivera chance de descobrir muita coisa. Sabia apenas que vivia recluso, depois de um acidente que o desfigurara, que havia se divorciado, e que, em poucos dias, receberia uma filha que jamais vira antes. Era estranho, muito estranho, pensou, começando a pegar as malas.


- Onde vou ficar?


- No segundo andar.


Ela começou a andar para a escada.


- Deixe as malas e me acompanhe.


Luna soltou as malas, carregando a valise de mão e a bolsa ao acompanhá-lo. Ele andava vários passos à frente, mantendo-se sempre no escuro. O andar dele era firme, elegante à luz do corredor, que vinha de pequenas lâmpadas junto ao rodapé. Tudo que podia ver era o contorno dos ombros, na camisa imaculadamente branca, muito largos e fortes. Ele parou diante de uma porta e abriu-a depressa.


- Aqui - disse, e continuou andando. Ela parou do lado de fora do quarto.


- E o quarto da sua filha?


Ele hesitou por uma fração de segundo.


- Do outro lado do corredor. - Ele já estava quase no segundo lance de escadas. - Vou pedir para trazerem suas malas.


- Pensei que morasse sozinho.


- E moro. Tenho um caseiro, que mora num chalé, nos fundos do terreno, e uma empregada, que vem às segundas-feiras.


- Não acha que precisamos conversar sobre a chegada da sua filha? - gritou luna , já que ele não parará de andar.


- Ela chegará dentro de dois dias. Encontre-a na balsa. - Ele subia cada degrau num passo deliberadamente lento. Luna imaginou se sentiria dores.


- Não virá comigo?


- Foi para isso que a contratei, Srta. Puente.


- Mas não pode apenas me entregar sua filha sem...


Uma porta bateu com força no topo da escada. Ele voltara ao refúgio nas sombras.


- Muito bem - disse ela, aproximando-se da escada e olhando para cima. Tudo que podia ver era um corredor e uma grande porta de madeira polida, com uma maçaneta de bronze. Como ele podia ser tão indiferente? Kelly era quase um bebê, com apenas quatro anos. E será que ele estava mesmo tão desfigurado? Ou seria apenas vaidoso, e não queria vir para a luz? Apesar de tudo, era com Kelly que estava preocupada e, endireitando os ombros, subiu a escada e bateu na porta.
Capítulo 2


- Acho que precisamos ter uma conversa, Sr. Jackson. Agora.


Nenhuma resposta.


- Posso ser muito persistente quando tenho um objetivo, o senhor já sabe.


- Vá embora, Srta. Puente. Avisarei quando precisar, e se precisar, da senhorita.


- É claro, meu senhor, como fui tola em pensar que realmente se importasse com sua filha - disse, num tom seco, e virou-se para ir embora. Teimoso, rude, dominador. O pai dela teria acertado um soco nos dentes dele só por tratar uma mulher daquele jeito.


Luna entrou no quarto e parou, sem fôlego. Pelo jeito o dragão tinha muito bom gosto. A decoração era luxuosa, o tapete, as cortinas, os quadros, tudo combinava, criando uma atmosfera relaxante e sensual. Uma enorme cama com quatro colunas ficava num dos cantos, coberta por uma colcha e almofadas, nos mesmos tons de vinho, cinza e branco que decoravam o aposento. Havia uma escrivaninha no estilo Rainha Anne com computador colocado perto da parede, e algumas poltronas bem femininas posicionadas perto da lareira. Perto das três janelas enormes havia um banco forrado, coberto com almofadas bordadas em ponto cruz, o que o tornava ainda mais convidativo. A esquerda ficava o closet, tão grande que jamais conseguiria enchê-lo. Mas bem que gostaria de tentar, pensou luna , observando o banheiro moderno, com a maior banheira que já vira. Deixando a bolsa e a valise sobre a cama, atravessou o corredor e entrou no quarto de Kelly.


Sem palavras, parou na porta. Pelo jeito, dinheiro não era problema para o Sr. Jackson. O quarto parecia um sonho, em tons de verde e rosa, com uma casa de bonecas antiga, muitos brinquedos e uma cama colocada num dos cantos. O dossel tinha cortinas de cetim, que desciam enfeitando a cabeceira trabalhada. A história da Princesa e a Ervilha surgiram-lhe na mente, já que a garotinha teria de usar o banco para subir na cama alta. Ele pensara em tudo, reconheceu luna, vendo os armários e gavetas cheios de roupas de tamanhos diferentes. Ele não sabia mesmo nada sobre a filha, ela percebeu, voltando para o quarto, abrindo a valise e pegando o arquivo que Katherine Davenport, dona da Wife Incorporated, lhe entregara dois dias atrás.


O rosto da garotinha de cabelos escuros aparecia na foto, revelando o sorriso doce e os olhos muito azuis. Atirando a foto de lado com um suspiro, foi até o banco junto à janela, afastando as cortinas ao sentar-se. Dali podia ver o continente e as outras ilhas da costa da Carolina do Sul. O vento de outubro varria a praia, balançando os galhos dos enormes carvalhos que cercavam a costa. As ondas rugiam contra o cais, escurecendo a areia. O céu estava carregado, escuro, quase encoberto pela neblina densa. Um dia perfeito para encolher-se no sofá, ler um livro e sonhar. Com o que sonharia uma garotinha? Especialmente uma que tivesse perdido a mãe e estivesse chegando a uma ilha isolada para encontrar o pai, que nem sequer conhecia.


Ela sonharia com um príncipe para mantê-la segura, pensou luna. Não com um dragão que soltava fogo na direção de qualquer um que tentasse se aproximar de sua caverna.


Michael apoiou as costas na porta e fechou os olhos, a imagem de luna presa em sua mente, recusando-se a deixá-lo em paz. Era a criatura mais linda que já vira. O tipo de mulher que fazia as cabeças se virarem, os homens tropeçarem e as mulheres morrerem de inveja. E só de fitar os lindos olhos azuis, cada cicatriz sua parecia doer como se fosse recente. Era como colocar um doce apetitoso na frente de um homem que morria de fome. Oferecer-lhe a iguaria, da qual nunca poderia sentir o gosto.


Mal podia tolerar a presença dela ali, em seu lar, seu santuário. Só saber que estava ali era o suficiente para deixá-lo louco, e queria estrangular Katherine Davenport por ter lhe mandado uma mulher tão linda. Será que Kat não percebia que não estivera perto de uma mulher desde o acidente? E até aquela manhã não tivera sequer uma referência, além da palavra de Katherine, garantindo que encontrara alguém muito qualificado. Não tivera tempo de pesquisar o passado dela, e embora tivesse encontrado apenas parte dele, não havia fotos, embora tivesse imaginado como era, já que vencera tantos concursos de beleza. Ainda assim, era como se não desejasse mostrar o lindo rosto. Ele tinha uma boa razão para não mostrar o rosto. Mas qual seria a dela? Aos trinta anos, continuava linda.


Que droga! Ele fora muito claro ao pedir uma governanta para cuidar de Kelly. Pedira uma mulher mais velha, forte e saudável o suficiente para cuidar de uma garota de quatro anos, e que compreendesse que a responsabilidade de Kelly seria dela. Não podia deixar que Kelly o visse. Nunca. A criança fugiria dele e Michael sabia que não poderia suportar isso. Não outra vez. As pessoas fugiam dele por causa das cicatrizes que o desfiguravam. Não pretendia assustar uma criança.


Kelly. Michael cerrou os punhos. Uma criança cuja existência ele ignorara até algumas semanas atrás, quando a ex-mulher morrera. Parecia que ele era a única pessoa no mundo que podia cuidar da menina.


Mais uma vez, amaldiçoou Dulce por não ter lhe dito que carregava um filho ao deixá-lo. Só Deus sabia como precisara disso, quatro anos antes. Algo para fazê-lo suportar as inúmeras cirurgias, a difícil recuperação e a dura realidade de que nada poderia ser feito para recuperar o corpo desfigurado


Afastando-se da porta, luna pegou o telefone e discou um número, mal contendo a raiva.


- Wife Incorporated. Katherine Davenport.


- Que droga, Kat, ela é linda! - De tirar o fôlego, acrescentou mentalmente, lembrando-se de cada curva do corpo perfeito, coberto pelo conjunto branco.


- Então saiu da sua toca por tempo suficiente para observá-la?


- Por que fez isso? - Michael ouviu-a suspirar.


- luna é uma das pessoas mais bondosas que conheço. E não fiz isso por você, meu bem. Foi por Kelly. Luna adora crianças, e já trabalhou com elas antes. Tem todas as qualificações que você queria. É culta, mas não a ponto de não conseguir se comunicar com uma criança. Além disso, é divertida e criativa. Dê-lhe uma chance.


- Não tenho escolha. Kelly chega dentro de dois dias.


- Vai dar certo, Michael.


- Encontre outra pessoa, imediatamente. Eu não a quero aqui. Houve uma pausa do outro lado, e ao falar, a voz de Katherine soou fria e brusca:


- Dulce devia ter lhe contado sobre Kelly, eu concordo, e se não tivesse jurado que não o faria, eu mesma teria dito. Mas quando ela disse que o deixara porque tinha se tornado frio e mesquinho, não pude acreditar. Agora, vejo que estava certa.


Michael sentiu como se ela o tivesse esbofeteado.


- Dulce me abandonou porque não pôde suportar as conseqüências do acidente. Queria que eu fosse o mesmo de antes e que agisse como antes. Isso nunca vai acontecer. - Ele respirou fundo, antes de prosseguir: - Encontre outra pessoa. - E sem despedir-se, desligou. Só ao largar o fone percebeu como o segurara com força.


Deixando-se cair na poltrona de couro, atrás da escrivaninha, virou-a para a janela. O sol lutava para sair de trás das nuvens, refletindo-se no riacho, enquanto Michael lutava para afastar as memórias dolorosas do acidente. A dor cortante, a reação de horror de Dulce quando tiraram as bandagens, a repugnância que não conseguira disfarçar. Sempre imaginara que ela estaria ao seu lado, em qualquer situação, e ficara chocado ao vê-la partir. Devia ter imaginado que ela faria isso, quando se recusara a dividir a cama com ele, e até mesmo a tocá-lo depois do acidente. Ele podia ver a repulsa, cada vez que estendia a mão para ela. A noite anterior ao acidente tinha sido a última vez que sentira prazer e ternura com uma mulher.


E agora a mulher que fora eleita a mais bonita do Estado estava morando em sua casa. Não fazia diferença que isso tivesse ocorrido dez anos antes. Ela ainda era capaz de parar o trânsito com sua beleza.


A batida foi tão suave que ele mal ouviu.


- Sr. Jackson.


O som daquela voz doce e delicada tocou-o profundamente. E ele quase a odiou por isso.


- Eu já disse que a chamaria se...


- Pelo que me lembro, fui contratada para tomar conta da sua filha, não do senhor. Portanto, pode chamar o quanto quiser meu senhor, e...


- Pago o seu salário.


- Sua mãe não lhe ensinou que é falta de educação interromper...


- E você não aprendeu diplomacia, ao trabalhar no Departamento de Estado?


- Sim. Mas este não é um território estrangeiro, nem você pode pedir imunidade diplomática.


Lutando contra a vontade de sorrir, Michael apoiou a cabeça na poltrona de couro.


- O que você quer?


- Ah, chegamos ao estágio das negociações - zombou luna. - Agora, a menos que a montanha de alimentos na geladeira e no freezer seja a sua noção de uma dieta balanceada, preciso planejar o cardápio.


- Muito bem. Pode pedir o que quiser.


Luna suspirou. Que homem difícil. Ela sacudiu a bandeja, fazendo a linda porcelana tilintar.


- Ouviu? São pratos. Com comida - completou.


- Deixe na porta.


Ela piscou.


- O quê?


- Tenho certeza de que ouviu Srta. Puente. A porta não é tão grossa.


- Que teimoso - resmungou luna .


- Deixe no chão e vá embora.


Luna colocou a bandeja junto à porta, e ao olhar para a madeira decidiu que o faria sair dali, de qualquer modo.


- Pelo jeito, vamos ter muitos problemas, Sr. Michael.


- Só se quebrar as regras.


- E quais são?


- Receberá ordens através de e-mails em seu computador.


- Meu Deus, que impessoal!


- É o único modo possível - disse ele, baixinho, ouvindo os passos dela afastando-se na escada.


Michael esfregou a testa, a ponta dos dedos tocando as cicatrizes, e praguejou, levantando-se e começando a andar de um lado para o outro. Cerrando os dentes, imaginou como iria sobreviver com aquela mulher linda andando pela casa.

               Capítulo 3

Devia ter telefonado pedindo as compras, pensou luna, enchendo o carrinho e tentando ignorar as pessoas que a observavam, os jovens, muito mais jovens do que os que pensaria em namorar, fitando-a intensamente. Ela sorriu docemente, um típico sorriso de passarela, admitiu, rindo baixinho. Alguns homens eram pescadores, e ainda usavam as botas de borracha da pescaria.


Checando a lista, luna dirigiu-se ao caixa. Vai começar, pensou, vendo que as pessoas aproximavam-se de onde estava como felinos. Um adolescente que varria o chão chegou mais perto. A vendedora parecia não ter pressa, fitando-a demoradamente, apesar da fila. Os clientes não tiravam os olhos dela. Não era de admirar que Michael não saísse de casa. O que teria acontecido com a hospitalidade do sul?


- Você é nova aqui? - perguntou a vendedora, uma loira que usava argolas enormes nas orelhas e mastigava chiclete.


- Sim. É uma linda ilha - disse luna. Era melhor deixá-los orgulhosos da terra onde viviam.


- Está no castelo, não é?


- Sou a babá que o Sr. Jackson contratou.


- Babá?! - exclamaram várias pessoas ao mesmo tempo. Luna olhou ao redor, fitando um a um, todos que estavam próximos.


- O Sr. Jackson está esperando a filha chegar, e estou aqui para cuidar dela.


- Pobre criança - disse uma velha senhora, num tom sombrio.


- Por quê? - perguntou luna, embora soubesse a resposta.


- Imagine ter um homem tão horrível como pai.


- Conhece o Sr. Jackson? - perguntou luna.


- Não exatamente.


Esperando que sua expressão fosse da mais pura inocência, indagou:


- Então, como pode saber como ele é?


- Ele nunca sai daquele lugar - disse a vendedora. - Não mostra o rosto há quatro anos. Nem mesmo Dewey, que mora lá, conseguiu vê-lo de perto.


Dewey, luna imaginou, devia ser o caseiro, que ainda não conhecera.


- Ele está desfigurado - gaguejou o jovem que embalava suas compras.


- Se nunca o viu, como pode saber disso?


O garoto deu de ombros, como se fosse de conhecimento geral. Embora ninguém tivesse visto Michael.


- Não acho que a aparência seja importante - respondeu ela, tentando controlar-se, e detestando que as pessoas dessem tanta importância às aparências. Ela sabia, por experiência própria, como isso era injusto e preconceituoso, embora por motivos opostos. As mulheres recusavam-se a serem suas amigas, acreditando que se imaginava melhor do que elas. Os homens quase pisoteavam uns nos outros para aproximar-se, todos tentando levá-la para a cama, ou convidá-la para um acontecimento social, onde pudessem exibi-la como um troféu. Ninguém, nem mesmo o ex-noivo, conseguira ver além do rosto lindo que Deus lhe dera. E, aparentemente, ninguém queria ver além das cicatrizes de Michael.


Tudo isso fazia luna sentir um estranho impulso de defender um homem que nem conhecia. Era difícil manter o controle diante de tantos preconceitos.


- Coloque na conta dele, e mande entregar por volta das três - pediu, saindo depressa sentindo que todos os olhares a acompanhavam.


Em vez de pegar um táxi para casa, resolveu acalmar-se, caminhando pela pitoresca cidadezinha. Mas as lembranças continuavam a atormentá-la. A mãe, arrastando-a para comerciais de tevê, desde bem pequena, os concursos, tudo que sempre detestara. E quando crescera, escolhia participar apenas dos que lhe interessavam, porque queria ir para a faculdade, e precisava do dinheiro.


Olhando em volta, viu as vitrines das pequenas lojas, os bancos de madeira espalhados por vários locais, turistas e moradores passeando e fazendo compras. Dois homens mais velhos sentavam-se junto ao cais, trocando histórias de pescaria. Luna sorriu, lembrando-se do avô, sentado na cadeira de balanço da varanda, esculpindo pequenos animais de madeira para que ela e os irmãos brincassem. Aliás, eram os únicos brinquedos que tinham. Uma vida simples, mas cheia de amor, pensou, com saudade do avô.


Ela respirou fundo, saboreando a brisa fria que vinha do mar. Como o sol estava alto ainda fazia calor, mas logo chegaria a estação dos furacões, com chuva, umidade e frio intenso. Cruzando os braços para proteger-se, andou mais depressa para a pequena estrada que levava ao castelo. Em poucos minutos entrava no calor acolhedor da casa.


Depois de preparar café, esfregou os braços gelados, e ouviu um ruído vindo de fora. Franzindo a testa, foi até a porta de trás e afastou as cortinas que cobriam a pequena janela. Todos os seus impulsos femininos tornaram-se vivos e intensos, ao ver as costas nuas do homem que cortava lenha. Os músculos poderosos moviam-se numa dança da qual não conseguia afastar os olhos.


Michael. Como era bonito, usando apenas jeans e botas! De onde estava, podia ver apenas o perfil do rosto, com certeza o lado sem cicatrize, já que os traços eram aristocráticos e bem-feitos. Os cabelos escuros flutuavam ao vento, cobrindo totalmente a nuca. Os braços eram fortes, e ao erguer o machado para cortar mais uma tora, Anahí pôde ver como eram poderosos, já que a madeira partiu-se em um golpe. Ele deu mais alguns golpes e depois parou apoiado no cabo do machado. Quando começou a falar, luna percebeu que não estava sozinho e foi até a janela. Outro homem, mais velho, sentava-se num banco e brincava com um canivete. Era Dewey Halette, e aparentemente era bem mais do que um caseiro. Era amigo de Michael. Talvez seu único amigo. Dewey conversava animadamente, o rosto moreno e enrugado meio coberto pelo boné. A camiseta escura ajustava-se ao tórax esguio, e o jeans estava tão gasto nos joelhos que a cor desbotara. Ela observava os dois homens, e como se Michael soubesse que estava ali, continuava de costas. Ainda assim, pôde ver cicatrizes longas e finas descendo pelas costelas, como se tivessem sido feitas por adagas afiadas. Devia ter sido muito doloroso, e mais uma vez, imaginou como teria sido o acidente. De repente, ele inclinou a cabeça para trás e riu. O som, carregado pelo vento, chegou até luna, que estremeceu, sentindo um estranho calor percorrê-la. Pelo menos ele não tinha perdido a capacidade de desfrutar de pequenos prazeres, como conversar e rir com um amigo, pensou, desejando juntar-se a eles. Mas, se quisesse que o visse, já teria aparecido.


Ele disse algo que fez Dewey corar. Logo se levantava, sorria para Michael e colocava mais toras aos pés dele. Alfonso continuou a trabalhar, cortando tora por tora, enquanto Dewey empilhava os pedaços. Então, o caseiro parou, olhando diretamente para ela

Luna sustentou o olhar.


Michael largou o machado e pegou o casaco com capuz. Saindo para a varanda, luna gritou:


- Desculpe-me. Não tive a intenção de me intrometer.


- Mas fez exatamente isso - disse Michael, vestindo o casaco de costas para ela.


- Desculpe-me. Vou para outro lugar.


Michael suspirou, desejando virar e fitá-la nos olhos.


- Não quero que sinta que precisa afastar-se de onde estou.


- Mas é exatamente o que quer. Preferia que eu não estivesse aqui, não é mesmo? - Ela viu que os ombros dele enrijeciam. - O mínimo que podemos fazer é sermos honestos um com o outro.


Michael apertou os lábios, suspirando mais uma vez.


- É verdade. Mas posso garantir que não me importo de não ter mais a casa só para mim.


- Não precisa se esconder.


- Eu não me escondo. Escolhi este estilo de vida, Srta. Puente, e nos últimos quatro anos aprendi que é a melhor maneira de viver.


- Quer dizer, a mais fácil.


- Nada é fácil para mim, senhorita.


- E quanto a sua filha? Ela espera encontrar o pai. Precisa de carinho e conforto. Perdeu a mãe.


O peito de Michael apertou-se ao pensar na tristeza de Kelly, e como gostaria de confortá-la.


- Foi por isso que a contratei Srta. Puente.


- E não se importa com ela?


Como podia dizer a luna que ao saber da existência da filha, poucas semanas atrás, sentira raiva da mãe de Kelly, por abandoná-lo, carregando no ventre o bebê que era deles, por não lhe dar uma chance de conhecer a criança, antes de lhe tirar tudo que tinha. O amor pela mulher desaparecera quando ela partira, abandonando-o quando ele mais precisava, condenando-o à prisão e ao isolamento. Como podia esquecer o passado?


- Eu me importo. Muito. Mas mal tive tempo de me acostumar com a idéia de que sou pai. - Ele começou a andar para a garagem.


- É bom se acostumar - disparou luna, enquanto ele se afastava. - Depois de amanhã ela estará aqui, querendo vê-lo, e como poderei explicar que o pai não quer encontrá-la?


- Diga a verdade - respondeu ele, sem parar de andar. - Que o pai não quer ser mais uma fonte de pesadelos para ela.


A resposta deixou-a sem ação, e antes que pudesse pensar no que dizer, ele tinha desaparecido. Virando-se, ela fitou Dewey.


- Acho que as coisas não correram muito bem, não é?


Dewey observou-a atentamente, como se estivesse avaliando cada detalhe, e luns não saberia dizer qual fora a impressão do homem, já que sua expressão continuava impenetrável.


- Não madame.


- Sou luna Puente.


- O Sr. Michael me disse.


- E o que mais ele falou a meu respeito?


A expressão de Dewey continuou impenetrável, e ele virou-se para arrumar as pilhas de madeira. Por certo precisariam delas para aquecer-se nas noites de tempestade, imaginou luna, pensando em como o castelo de pedra devia ser frio no inverno.


- Todos na cidade têm uma imagem errada dele. Mas já deve saber disso, não é? - Ela admirava o fato do caseiro respeitar o segredo de Michael, mesmo exposto à curiosidade de todos.


Dewey arrumou mais uma pilha.


- Poderia pelo menos me dizer como é a rotina dele? Assim poderei ficar fora do caminho.


Dewey afastou o boné para trás fitando-a por alguns instantes, antes de falar:


- Não.


- O quê? - Ela não podia acreditar no que ouvira.


- O Sr. Michael não segue rotinas, faz o que quer. Se encontrá-lo novamente vai ter que lidar com a situação.


- Obrigada pela ajuda. - luna cruzou os braços, fitando-o diretamente. - Prefere vê-lo se escondendo, ou saindo da toca para conhecer a filha?


Ele não respondeu, e ficou bem claro para luna o quanto era leal ao patrão. Mas quando ele segurou o machado, disposto a recomeçar o trabalho que Michael interrompera, ela o impediu, segurando o braço que se erguia.


- Não vou sair daqui até ter certeza de que Kelly tem todo o cuidado e atenção que merece. Entendeu Sr. Halette?


Os olhos dele brilharam, embora a expressão do rosto continuasse inalterada.


- Sim, senhora. E pode me chamar de Dewey, senhora.


- luna- corrigiu ela, virando-se para a casa e acrescentando: - Estou esperando que entreguem as compras. Assim, acho melhor recolocar aquela expressão séria no rosto. Afinal, é o que todos esperam, não é mesmo?


Dewey olhou-a afastar-se, lutando para esconder um sorriso.


- Sim, senhora.

Capítulo 4

O doce aroma de algo assando espalhava-se pela casa, mesclando-se ao som de risadas. Aquilo o atraiu, embora descesse pela antiga escada de serviço, para não ser visto. Passagens escondidas atrás das paredes formavam um labirinto, através do qual podia mover-se sem ser visto, apesar dos corredores serem bem estreitos. Fazia muito tempo que não passava por ali, depois de tê-los descoberto. Não gostava da sensação de passar por eles, mas havia pessoas na casa, depois de anos em que ele e Dewey haviam sido os únicos moradores. Mas agora ela estava ali, assando algo na cozinha. A vontade de vê-la o atraía tanto quanto o aroma do que assava no forno. Mas, acima de tudo, era a risada límpida e espontânea que o atraíra. Podia distingui-la facilmente no meio das outras vozes. Havia algo em luna que lhe despertava sensações que julgara adormecidas. Ela o desafiava, provocava, mas Michael sabia que, se cedesse à tentação de ver o rosto dela, teria muito a perder. A filha precisava de luna, uma vez que ele não podia ficar com ela.


Parando no fim do corredor escuro, afastou um pouco o painel disfarçado que cobria a parede. Ela estava tirando uma assadeira do forno e colocando biscoitos num prato. Era uma cena tão doméstica, comum, algo que Dulce nunca se incomodara em fazer, que o pegou de surpresa. Havia três pessoas sentadas nos bancos altos. Luna ofereceu os biscoitos aos convidados. Convidados, ali, na casa dele. Pela primeira vez. Queria ficar zangado. Queria que fossem embora, pela simples razão de que não podia unir-se a eles. E ao vê-la conversando, tão animada, seu isolamento parecia ainda mais difícil e amargo.


Mas ela era tão linda, os homens pareciam fascinados pelo que dizia. E então, quando luna inclinou-se para colocar outra assadeira no forno, Michael percebeu que todos olhavam as formas do corpo bem-feito. Será que os homens estavam ali movidos pela curiosidade em relação a casa, ou apenas por causa dela?


- É uma casa muito grande - disse o adolescente, que ele reconheceu como o entregador que trazia as compras.


- Sim, é enorme - respondeu ela, colocando colheradas de massa na fôrma.


- Apavorante - disse um dos homens, olhando ao redor.


- Adoro a casa - afirmou luna. - É linda e charmosa. A arquitetura, as pedras, tudo lembra a história de muitas partes do mundo.


Era exatamente o que sentira ao ver a casa, pensou Michael, inclinando-se para ouvir melhor.


- Você já o viu?


- É claro.


- É muito horrível?


Michael esperou pela resposta, prendendo a respiração.


- Não tem nada de mais. - Nada de mentiras, nem de informações, e ele imaginou por que luna estaria agindo assim.


- Então por que se esconde?


- Ele é um homem reservado, e talvez por não ter sido bem recebido... - luna parou de arrumar os biscoitos e virou-se, fitando-os por cima do ombro. Michael percebeu a determinação na voz dela. - E se alguém ousar fazer qualquer comentário na frente da filha dele terei que mostrar como meu avô me ensinou a atirar muito bem. E também como tirar a pele dos animais que caçávamos.


Michael disfarçou uma risada, e quando olhou novamente, os convidados riam, sem jeito, não muito certos se ela falava a sério ou não. Logo se despediam, agradecendo pelo café.

Luna acompanhou-os, fechando a porta assim que saíram. Voltando para o balcão, pegou a fôrma que acabara de encher e colocou-a no forno, no lugar da que já estava pronta. Não conhecia nenhuma criança que não gostasse de biscoitos de chocolate, e esperava que Kelly não fosse uma exceção. Queria que a menina se sentisse bem-vinda naquela casa escura e silenciosa.


De repente, percebeu que não estava sozinha e ergueu o olhar. Então o viu, uma sombra escura entre a parede do canto e a porta entreaberta da despensa. Uma sombra grande, larga, da qual só podia ver o jeans surrado que cobria as pernas fortes. Como chegara até ali sem que o visse?


- Gostaria de pensar que a receita de biscoitos da minha avó o atraiu até aqui, mas não tenho ilusões.


- Linda e esperta.


Luna enrijeceu de imediato. Será que todos tinham que falar de sua beleza, nos primeiros dez minutos de conversa?


- Quer um biscoito?


- Não, obrigado.


- Não diga que é uma dessas pessoas que não gosta de biscoitos de chocolate...


- Não.


- Já sei. Não quer vir até a luz para pegá-lo, não é?


Ele não respondeu.


- O que mais nega a si mesmo, ao escolher viver no escuro? - Ao falar, ela atirou um biscoito na direção dele.


A mão surgiu na luz, apanhando o biscoito no ar, e ela pôde ver o anel de sinete faiscar.


- E o que vai negar a Kelly?


- Pesadelos, Srta. Puente.


- Pode me chamar de luna. E acho que está enganando a si mesmo.


- Não sabe nada a meu respeito, bela - zombou ele. Ela largou a espátula sobre o balcão, num gesto brusco.


- Tem razão, não sei. Assim como não sabe nada a meu respeito... Fera. - Virando-se para o fogão, tirou a assadeira com os biscoitos prontos, colocando outra no lugar. Fechando os olhos, tentou, em vão, afastar as lembranças dolorosas. Bela... Rainha de beleza. De que lhe adiantara isso, se não tinha sequer conseguido manter o noivo, pensou, cerrando os punhos.


Alfonso endireitou-se, imaginando por que estaria tão perturbada.


- luna...


O nome foi pronunciado num tom rouco, sensual, oferecendo uma simpatia que ela não desejava. Os homens, as pessoas, em geral, notavam-lhe primeiro o rosto. Era natural. E michael era um homem. O que mais poderia esperar?


- Desculpe-me - disse luna. - Fui muito cruel.


Michael já ouvira coisas piores.


- Deixei você furiosa. Diga por que.


- Não é nada. - Ela continuava arrumando os biscoitos, embalando-os em sacos plásticos.


- Mentirosa.

                Capítulo 5

- Vamos começar de novo? - perguntou baixinho. Abriu a geladeira e pegou um pedaço de carne e alguns legumes, que colocou sobre o balcão. Não se conheciam o bastante para falar sobre o passado dela, nem pretendia começar a lamentar-se. Tinha muito que fazer, e não desperdiçaria energia com lembranças tristes. Depois de temperar a carne, voltou a colocá-la na geladeira. Cortou os legumes cuidadosamente, tentando ignorar a presença máscula. Mas era impossível. O calor que emanava dele era tão forte, que parecia estar perto de uma fogueira.


- Está me observando.


- Como sabe?


- Posso sentir.


Será que sabia que ele também podia senti-la?


- E o que sente?


Luna parou. As palavras, murmuradas num tom suave, convidavam à intimidade, trazendo um desejo inesperado. O coração dela disparou.


- É como uma invasão. - Ela arrumou os legumes numa travessa, cobrindo-os com água. - E não gosto disso - completou, colocando-os na geladeira.


- É uma mulher muito linda, luna. Que homem não a olharia? Você sabe disso.


- Sim, sei como as pessoas valorizam a aparência - murmurou, desligando o forno.


- Eu também - declarou Michael , num tom amargo.


- Então temos algo em comum. - Ela tirou a última assadeira do forno, colocando-a sobre o fogão, antes de virar-se.


Ele tinha desaparecido. Como se um vento frio a atingisse, soube que não estava mais ali.


- Também não gosto disso, Sr. Jackson - gritou, para a casa vazia.


Não houve resposta, e nem ela esperava isso.


Michael desceu pela escada de serviço trazendo os pratos do jantar. Depois de colocá-los na lavadora, pegou um biscoito na assadeira sobre o fogão. Mastigando, atravessou a sala de jantar e chegou à biblioteca, estranhando o ar frio que penetrava na casa. Ao entrar na sala de estar, parou de repente. Cada fibra do corpo dele reagiu ao vê-la. Luna estava na varanda, atrás da sala, e as portas francesas estavam completamente abertas. As mãos dela apoiavam-se na grade, e o roupão leve, verde-claro, flutuava ao sabor da brisa da noite sem lua. A frente dela, o mar batia no cais, iluminado apenas pelas luzes suaves que cercavam a casa.


Michael poderia jurar que estava vendo um anjo. O vento erguia os cabelos acobreados, fazendo-os flutuar.


- Não é fantástico? - perguntou ela.


Ele enrijeceu, sentindo-se encurralado na própria casa.


- Não é? - insistiu, virando-se levemente na direção dele. Michael sabia que não podia vê-lo claramente, com a luz trás dela.


- Gosta deste tempo?


Luna voltou a olhar o mar. Ao longe se viam relâmpagos.


- É meu favorito. Tempestades, trovões, chuva... Michael percebeu que ela lhe dera as costas de propósito, dando-lhe a chance de se aproximar. O gesto o comoveu, mas ao mesmo tempo deixou-o inquieto. Será que ela viraria de repente e começaria a gritar? Ainda assim, reconheceu que não podia resistir ao desejo de se aproximar mais um pouco. Saindo para a varanda, se encostou nas cortinas que voavam pelas portas abertas e que podiam lhe dar alguma proteção.


- Obrigado pelo jantar.


Ela deixara a bandeja do lado de fora da porta do quarto dele, numa mesinha que carregara para cima.


- Por nada. Não precisa comer lá em cima, sozinho, Sr. Jackson.


- O que pretende? Que jantemos como duas pessoas civilizadas?


- Por que não?


- Acho que já sabe a resposta.


- E o que devo dizer a Kelly? Sinto muito por ter perdido sua mãe, e olhe, na verdade não tem um pai. Apenas um bem feitor.


- Diga a ela o que achar melhor.


- Sei que se importa Sr. Jackson. Vi o quarto dela.


- Só porque não quero vê-la, não significa que não quero que fique confortável aqui. Não percebe? Ela é uma criança. Um simples olhar para o que sobrou do meu rosto, e terá pesadelos por uma semana. - Ele sacudiu a cabeça. - Acho que devo poupar a nós dois dessa situação.


Luna chegou mais perto, e viu que ele cruzava os braços à frente do peito, numa atitude defensiva. O gesto era claro. Não poderia alcançá-lo. Não agora.


- Acha mesmo que uma criança vai se satisfazer com isso?


- Terá que ser assim.


- Mas sou uma estranha.


- Eu também.


Luna suspirou frustrada, cerrando os punhos.


- É um homem muito difícil.


Houve um instante de silêncio, antes de ele responder:


- Só quero protegê-la.


- Impedi-la de conhecê-lo não é proteção.


- Por acaso é uma autoridade em crianças? - A voz dele revelava descrença.


- Tenho alguma experiência.


- É mesmo?


Pouco importava o tom crítico na voz dele, pensou luna.


- Não gosta que outras pessoas vejam o que lhe aconteceu, e então se esconde. Só vê aquilo que quer. Não tive filhos, mas gostaria de ter. Fui professora na escola da embaixada por vários anos, e cursei psicologia infantil na universidade. Além disso, sou a mais velha de cinco irmãos. Não acha suficiente?


Com raiva, afastou-se da grade e já ia entrar, quando Michael segurou-a pelo braço. Os dois foram envolvidos pelas dobras das cortinas que flutuavam ao vento.


- Sim. É suficiente.


Luna mal conseguia respirar, e seu coração batia acelerado. Ele era um homem grande,  e os dedos circundavam-lhe o braço, impedindo-a de mover-se. Estava consciente da proximidade dele, do perfume masculino, do corpo que quase tocava o dela, fazendo-a estremecer.


Ele era misterioso, intenso. O que a atraía não era a solidão dele, nem a amargura. Era o homem que sofrerá muito, mas sobrevivera. Que não deixara ninguém se aproximar. Luna viu a sombra da cabeça dele aproximar-se e soube que desejava beijá-la. E quase desejou que o fizesse.


- Você tem perfume de... Liberdade - sussurrou ele, cada célula do corpo gritando que era um homem, e que ela era uma linda mulher.


Mesmo sabendo que devia fazer anos que ele não estava com uma mulher, que devia afastar-se depressa, luna foi incapaz de resistir ao desejo de tocá-lo. Erguendo a mão, colocou-a no peito forte.


A respiração dele ficou ofegante, e num gesto brusco afastou-se, subitamente consciente do que acontecia.


- Não quero sua piedade, e isto é errado.


Ele afastou-a e luna perdeu o equilíbrio, enquanto Michael entrava depressa, desaparecendo na casa, de volta à sua caverna escura. Queria dizer-lhe que a última coisa que sentira em seus braços era piedade. Mas ele já se fora.

Ele era um tolo! O abandono da mulher não lhe ensinara nada, ou não teria tocado luna. Sentado na escrivaninha, o sol nascendo atrás dele, Michael bateu nas teclas, fazendo uma porção de erros, até desistir, empurrando o teclado. Recostando-se na cadeira de couro, fechou os olhos, e quase pôde sentir a maciez daquele corpo que tanto desejava tocar.


Que homem não desejaria fazê-lo pensou. O corpo de luna era curvilíneo, e ela tinha um jeito de andar que quase o enlouquecia. Ele sacudiu a cabeça. Seria mais difícil do que tinha pensado, e sabia que a lembrança de tocá-la seria tão torturante quanto a própria ação.


Era a babá, lembrou a si mesmo. Fora contratada para ajudá-lo. Levantando-se, foi até a janela. Que Deus me ajude, pensou. Luna era o sonho de qualquer homem. E estaria ali por muito tempo, provocando-o.


Atrás dele, o e-mail soava, o fax gemia, e Michael ignorava tudo, os olhos presos à faixa de areia lá embaixo. Havia pegadas no solo úmido, e imediatamente soube que eram de luna. Será que levaria Kelly para longos passeios, à procura de conchas? Será que Kelly gostaria dali? E do quarto, dos brinquedos? Ou ficaria assustada, com medo? As perguntas surgiam-lhe na mente, e teve que admitir que não soubesse nada sobre a filha de quatro anos. Mas Kelly era tudo que tinha no mundo, e faria o possível para que nada lhe faltasse.


Exceto você mesmo, disse uma voz interior, e a culpa dominou-o. E se nada daquilo fosse suficiente, e traumatizasse a menina? Era tão pequena, inocente. No momento, não tinha dúvidas de que luna cuidaria de tudo. Era encantadora, mesmo com aquela língua afiada, e suspeitava que Kelly acabasse se divertindo, depois de ter passado de um amigo para outro, após o acidente. Tanto ele quanto Dulce não tinham família. Soubera da morte da mulher por um policial, e cinco dias depois por um advogado, executor do testamento de Dulce, que o informara da existência da filha. Com a permissão dele, Katherine Davenport tirara Kelly do abrigo do Serviço Social, e tomara providências para arranjar uma babá, e trazer a menina para a ilha. Era tudo tão frio, formal. Dulce escondera a criança até a tragédia acontecer. Mas ele tivera tempo suficiente para pensar na mulher que havia conhecido num baile de caridade, e com quem se casara, sete anos atrás.


Dulce tinha sido linda, como uma boneca de porcelana, embora durante o casamento tivesse ficado cada vez mais egoísta e exigente, gostando muito mais do estilo de vida que tinham do que dele. Agora percebia que ela gostava das empregadas e cozinheiros, e que quanto mais lhe dava, mais queria. Até que ele desejara ter filhos, parar de viajar o tempo todo. Ela havia discutido e reclamado, até Michael ceder. Devia ter engravidado naquela noite selvagem, na praia, na véspera do acidente. Apesar disso, quando o acidente o privara da beleza que a atraíra, Dulce o abandonara. Não a culpava por tê-lo feito. Era frágil, imatura, e ele por certo não fora mais o mesmo homem. Nem por fora, nem por dentro. Tentava imaginar o que Dulce dissera a Kelly sobre ele, mas logo desistiu. Não fazia diferença. Suspirando, voltou a trabalhar no computador, até que uma voz suave soou no interfone:


- Muito trabalho sem comer, deixa o Sr. Jackson de mau humor.


Michael sacudiu a cabeça, com um meio sorriso. Apertando o botão do interfone, perguntou:


- Preparou alguma coisa? - O estômago dele roncou diante da perspectiva de uma refeição.


- Sim. E Dewey não vai conseguir comer tudo. - Houve uma pausa, mas logo ela continuou: - Nunca fui capaz de cozinhar para menos de seis pessoas. Ainda bem que gosto de sobras, não é?

Michael imaginou se alguma vez ela ficava de mau humor, e sentiu-se grato por não mencionar a noite anterior. Não queria a piedade dela. Já aprendera o suficiente a esse respeito com a ex-mulher. Não podia esquecer o modo como ela se encolhia, cada vez que tentava tocá-la. Sacudindo a cabeça, pensou em como fora tolo na noite anterior. Mas parte dele queria saber se luna sentira o mesmo calor que o invadira. Nem Dulce conseguira provocar uma reação como aquela, e ele a amara.


- Estou com fome.


Luna tentou não gostar tanto da voz dele, nem lembrar-se de como parecera sedutor na tênue luz da varanda. Mais uma vez se perguntava como podia sentir tanta atração por um homem que nunca vira, embora soubesse que a aparência, o dinheiro ou o charme, pouco tinham a ver com o que o corpo dizia. E o corpo de Michael Jackson dizia muita coisa. Luna só esperava que o seu não entendesse...


- Vou levar aí em cima - disse, por fim. Ele detestava estar isolado ali.


- Obrigado - agradeceu.


Um momento de silêncio, e então ela disse:


- Recebi seu e-mail com as regras.


- E estou certo de que quer fazer algum comentário - ele retrucou e quase podia ver como ela cerrava os lábios, furiosa.


- Alguma delas é negociável?


- Por exemplo?


- Esta sobre não ir ao terceiro andar. Como a empregada vai fazer a limpeza?


- Ela conhece as regras. Avisa antes de subir, e eu simplesmente vou para outra parte da casa.
  
Continua...